sábado, 15 de junho de 2013

(re)inventar-se

Aninha era Aninha há 32 anos.
Trinta e dois longos anos convivendo com ela mesma. Era tempo demais na companhia de uma mesma pessoa, que a cada dia parecia mais previsível.
Todo ano ela comemorava seu aniversário no mesmo dia, toda manhã dava bom dia para a mesma família, sempre comia o mesmo doce preferido, assistia aos mesmos filmes, tocava as mesmas músicas.

Aninha era sempre a Aninha.

Ela até era uma mulher peculiar, bem sucedida, inclusive.
Mas desde seus 16 anos - isto significa metade da sua vida vivida - Ana Júlia sabia qual seria sua profissão, sabia que casaria com um homem honesto, que teria dois filhos e jamais gostaria de esportes.

Aninha estava farta de ser Aninha. Nem mesmo Ana Júlia servia mais.

O trajeto até o colégio foi substituído pelo da faculdade e, quatro anos depois, pelo do trabalho. Mesmo quando se esforçava para se atrasar, Aninha era pontual.
Quando tentava arduamente ter uma opinião contrária àquilo que considerava o certo, era aplaudida; nas situações em que agia de maneira inadequada, todos achavam correto.
Ana Júlia jamais era vista com olhos críticos, não sabia desapontar.

Ana Júlia era uma chata. E pior! Ela mesma concordava com isto.

No dia 25 de setembro, decidiu mudar o trajeto de casa até o trabalho; dobrou à direita, depois à esquerda, deu a volta no quarteirão 3 vezes. Quando viraria pela quarta vez ela seguiu reto, pegou a saída da cidade.
Naquela manhã, Aninha não apareceu na empresa, não avisou aos colegas e menos ainda à família.
No dia 25 de setembro, Ana Júlia surpreendeu.

E em todos os dias seguintes.

Aninha largou o emprego, cortou os cabelos, comprou uma moto, matriculou-se em aulas de tecido acrobático e equitação. Cláudio, seu honesto marido, também dançou. Aninha não podia mais ser casada com um homem que amava aquela mulher.

Ana Júlia se tornou Gabriela, pelo menos para ela...
Os filhos, manteve. Era uma questão de princípios.


Para a família, Aninha estava desenvolvendo alguma doença; esquizofrenia talvez. "Era estresse", assegurava piamente sua mãe. Cláudio acreditava ser uma crise de meia idade antecipada.

Para Gabriela, era apenas uma nova companhia. Já era hora.

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