domingo, 2 de junho de 2013

Café para um

- Posso sentar com você?
Naquele breve instante, enquanto a menina sorri pateticamente esperando minha confirmação, retribuo com um sorriso também. Um sorriso sarcástico, de quem se deleita com a própria imaginação.
- Não. Nããããão. N - ã - o.
Sinto a língua tocar os dentes da frente; o fonema está em formação. A resposta vem em tom de regozijo.

Levanto o rosto e aquelas bochecas rosas e gordinhas esperam tão ansiosas pela resposta quanto aguardam a tapioca de coco com leite condensado que a senhora tapioqueira já prepara para sua hóspede favorita.

Diante da cena, abro um sorriso ainda maior, aceno positivamente com a cabeça e digo: "claro!".
- Claro? Wtf?! Penso eu, agora não mais sorrindo, enquanto ela se sacode toda faceira até a mesa de guloseimas.

A verdade é que em nenhuma situação social é aceitável negar este pedido. Mesmo em casos extremos a negativa é delicada.
Um casal discute o futuro da relação na mesa do restaurante e um velho amigo surge contente para colocar a conversa dos últimos 10 anos em dia. Provavelmente, nem mesmo este casal diria N ã o.

Eu sonho com um dia de "operação padrão". Sabe aquele Dia sem Imposto? Pois bem, eu acredito que devemos implementar o Dia da Verdade, ou Dia sem Hipocrisia...
Um dia (um único dia em todo o ano) em que só diremos a verdade e só agiremos de acordo com nossas vontades e interesses.

Seria pedir demais? De fato partiria alguns corações. A menina do café da manhã teria, talvez, uma indigestão ou até cancelaria o café para não ter que estar frente a frente com um ser desalmado como eu.
E eu? Bom, é possível que eu seja mais feliz e tenha mais "amigos" se mantiver a negativa em meus pensamentos. De repente, a operação padrão é demasiado honesta para nossos corações...

4 comentários:

  1. Às vezes também penso a respeito. Será mesmo que é empatia, ou não passo de uma grande hipócrita disfarçando meu egoísmo? O ser humano é um ser social e bláblá. Ai, que saco!
    Mas na verdade, acho que tenho mais pena é dos outros, os que precisam me aguentar.

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  2. Querida escritora: li tudinho e gostei. Um linguagem leve, um tom irônico, muita sensibilidade, assuntos legais. Em alguns momento, apenas um toque para reflexão, pois crônicas assim não se prestam a estudos alongados. Sobre o ser totalmente verdadeiro um único dia com os outros é assegurar confusão. O que a gente pode fazer, e isso sim todos os dias, é ser verdadeiro com a gente mesmo. Um grande abraço e continua explorando o teu talento de saber lidar com as palavras. Espero, a cada dia mais, te ver por aqui, sempre verdadeira. Beijos.

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  3. Talvez, em um dia desses, eu diga:

    - "Não! Sua velha cretina! Eu estou cansado do meu trabalho o dia inteiro e não é porque esse assento aqui tem uma cor diferente do restante dos assentos do ônibus que eu vou levantar para você sentar!"

    Mas:

    - Claro senhora, por favor, queira se sentar.

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  4. Um diazinho com todos fazendo o que querem seria um caos. Mas um caos honesto!

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